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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A modesta mulher que venceu a malária


Descoberta da artemisinina
Apesar dos constantes esforços para o desenvolvimento de uma vacina contra a malária, o melhor medicamento contra a doença continua sendo a artemisinina.
Este composto, derivado da planta medicinal chinesa Artemisia annua, ou Qinghaosu, tem um elemento curioso em sua história: até há pouco, ninguém sabia quem o havia descoberto.
Todas as referências citam que a artemisinina foi "descoberta na China nos anos 1970". Mas descoberta por quem?
Descobrir isto foi o trabalho de detetive a que se propôs Louis Miller, um pesquisador da malária do Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos.
Ao participar de uma reunião em Shangai sobre a doença, ele se espantou ao descobrir que os próprios chineses também não sabiam a resposta.
Tu Youyou
Em tempos de Revolução Cultural, o grupo era mais importante do que o indivíduo, e divulgar nomes de cientistas nunca foi uma prioridade em um período em que as próprias publicações científicas chegaram a ser proibidas pela China.
Depois de revisar artigos, manuscritos e até atas de reuniões na época consideradas secretas, Miller chegou finalmente à resposta que procurava.
Tu Youyou, agora com 80 anos, descobriu a artemisinina em uma história digna de um roteiro de cinema. E ela encara toda a sua vida de trabalho e de pesquisas com um desprendimento difícil de encontrar fora dos scripts dos grandes heróis.
Há poucos dias, ela teve seu trabalho finalmente reconhecido ao receber o Prêmio Lasker, a principal comenda médica dos Estados Unidos.
Perguntada sobre o que ela achava da homenagem, Youyou respondeu: "Fiquei grata pelo prêmio. Mas eu me sinto mais recompensada quando vejo tantos pacientes curados."
A modesta mulher que descobriu a artemisinina e venceu a malária
Qinghao, ou Artemisia anua, a planta que produz o composto ativo artemisinina. [Imagem: Wikipedia/Jorge Ferreira]

Medicina tradicional e medicina moderna
Durante a Revolução Cultural, em 1967, Youyou foi retirada de sua casa, afastada da família e enviada para a região de maior incidência de malária na China graças ao seu currículo exemplar: ela era versada na ciência ocidental e na ciência tradicional chinesa.
Depois que mais de 240.000 compostos químicos já haviam sido testados no Ocidente, sem qualquer efeito contra a malária, era necessário alguém que pudesse escarafunchar a extensa biblioteca medicinal da China tradicional, sem repetir o trabalho já feito no Ocidente.
Ao retornar para casa, depois de cumprida sua tarefa, a filha de Youyou, deixada com quatro anos de idade, não a reconheceu e perguntou quem era aquela mulher estranha que se achava dona da casa.
Mas os anos de trabalho de Youyou não foram em vão.
Ela descobriu uma receita tradicional baseada em uma planta, a Artemisia annua, indicada para febres intermitentes - uma marca registrada da malária.
Youyou encontrou a receita em um livro escrita 1.600 anos atrás, mas teve antes que descobrir como retirar o composto ativo da planta, que se perde na preparação dos tradicionais chás, o que ela fez usando um solvente à base de éter, que ferve a 35 °C.
Responsabilidade
Depois de obter resultados excepcionais em animais, faltava testar o composto em humanos, tanto para aferir sua eficácia quanto sua segurança, ou atoxicidade.
Youyou testou a droga nela mesma: "Como chefe do grupo de pesquisas, eu tinha essa responsabilidade," contou ela, após receber o prêmio nos EUA.
Seu trabalho, sem a citação de seu nome, só foi publicado em 1977, quando o medicamento já estava sendo usado para salvar vidas no mundo todo.
Se ela sentiu falta do reconhecimento pelo seu trabalho? Ela mesma responde.
"O que eu fiz foi o que eu deveria ter feito como uma compensação pela educação que recebi de meu país," afirmou Youyou. "É responsabilidade dos cientistas continuarem buscando o bem-estar de todos os humanos."
De forma bastante inspiradora, o nome de Youyou poderia ser traduzido, do inglês, como Você-Você - uma lição em tempos de vaidades e muitos Eu-Eu.
A descoberta da artemisinina continua a ser um ponto de orgulho para a China, e muitos pesquisadores argumentam que essa descoberta mostra a importância de se pesquisar as ervas medicinais tradicionais em busca de outras "pedras preciosas".

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