A bióloga Christiane Takayama usou óleos[Imagem: Unicamp] |
Hortelã contra úlcera
Cerca de 10% da população mundial tem ou já enfrentou um quadro de úlcera péptica em algum momento da vida.
Esta doença, que causa danos e desconforto ao estômago, acomete principalmente indivíduos com idade entre 30 e 70 anos, e seu desenvolvimento está fortemente relacionado com a digestão alimentar.
Isso quando há sobreposição de fatores que agridem a mucosa gástrica - ácido clorídrico e pepsina - em relação aos fatores que a protegem - muco e bicarbonato, por exemplo.
A bióloga Christiane Takayama, da Unicamp, descobriu que o hortelã pode ser uma opção viável para amenizar os sintomas das pessoas que sofrem com as úlceras.
A pesquisadora testou um óleo essencial da espécie Hyptis spicigera, popularmente conhecida como catirina, hortelã, cheirosa ou cheirosa-de-espiga.
Inibição das úlceras
Em sua pesquisa, Christiane forneceu os resultados preliminares que deverão confirmar, após novos testes de toxicidade, mais detalhes sobre o óleo desta planta e essa propriedade farmacológica.
O fato é que ele chegou a inibir praticamente em 100% a formação da lesão ulcerativa.
A primeira contribuição da bióloga foi concluir - em modelos animais - que tal planta possui sim atividade antiulcerogênica.
"Assim sendo, parte deste contingente da população mundial poderá ser contemplado com os benefícios desta pesquisa, depois que ela ultrapassar a fase de testes e adentrar a indústria farmacêutica", prevê ela.
Acidez estomacal
O trabalho da pesquisadora, orientada pela professora Alba Regina Monteiro Souza Brito, consistiu em avaliar os mecanismos desta atividade na base testada de 100 mg/kg.
Ao se aumentar o muco gástrico, a camada responsável por proteger o estômago contra o suco gástrico (que contém pepsina e ácido clorídrico, os quais maltratam a mucosa estomacal), ele conseguiu defender o órgão contra a formação de lesões ulcerativas, não somente reduzindo-as, mas também impedindo a sua formação.
"Foi um resultado encorajador", comemora. Segundo ela, não existia na literatura científica provas cabais dessas atividades. "O que havia era apenas indicação popular, contudo nenhum estudo comprobatório desse potencial do óleo."
Atividade antioxidante
Christiane descobriu mais.
Outro mecanismo encontrado foi o de atividade antioxidante, capaz de abrandar a formação de espécies reativas de oxigênio por mecanismo de transferência de hidrogênio. Esta atividade foi avaliada tanto in vitro quanto in vivo em ratos.
Além disso, o óleo exibiu ainda um forte potencial de cicatrização, conseguindo reduzir praticamente em 90% a área da lesão de úlcera nos animais.
Para que isso acontecesse, houve a elevação dos níveis dessas substâncias que promovem o processo de cicatrização, que são a COX-2 e o EGF (fator de crescimento epidermal). O óleo da Hyptis spicigera aumentou mais que duas vezes a produção do EGF. Mostrou-se que, na prática, elas interferem aumentando a proliferação celular e, por isso, estimulam a cicatrização na mucosa gástrica dos animais e, possivelmente, em humanos.
O estômago produz ácido clorídrico e outras substâncias que se encarregam do processo de digestão. O conteúdo desse órgão torna-se, portanto, mais ácido, podendo lesionar a parede do estômago, caso os mecanismos de proteção do estômago estejam reduzidos.
De acordo com a bióloga, o estômago contém células produtoras do muco que recobre a parede estomacal. Junto com ele, a secreção de bicarbonato é outro fator protetor, por ajudar a neutralizar o ácido.
Pois bem, tais mecanismos de produção de muco são controlados graças à ação das prostaglandinas. Contudo, é sabido que determinados anti-inflamatórios as limitam, retirando a proteção do estômago e do duodeno. É por esta causa que muitas pessoas sentem dor quando tomam este tipo de medicamento ou derivados.
Óleos essenciais
Esse e outros estudos têm sido possibilitados e sustentados por uma grande aliada - a área de óleos essenciais, que está em franca expansão nos cinco continentes.
Por terem um odor agradável, são empregados em geral na indústria de perfumes, sendo ainda adotados na indústria de cosméticos, produtos de limpeza e também no setor alimentício.
Neste caso, ele apresenta uma marcada atividade antioxidante, de modo a reduzir as espécies reativas de oxigênio, os radicais livres, que agridem os tecidos e são protagonistas em sua degradação.
Os óleos essenciais são extraídos de partes de plantas, particularmente caule, folhas, raízes, flores, inflorescências, frutos ou sementes. São óleos voláteis (que evaporam mesmo em condições normais) e, em geral, aromáticos.
Mais recentemente, muitas investigações reforçam suas atividades farmacológicas. Por este motivo foi que Christiane resolveu analisar este óleo essencial.
Do popular ao científico
Conforme a pesquisadora, a matéria-prima do óleo é utilizada como indicação popular desde a Antiguidade. Os estudos científicos, porém, começaram a se intensificar mais a partir da década de 1980.
A questão envolvendo o setor farmacológico e de atividade antioxidante são ainda recentes. Advêm da década de 1990. "Com a descoberta dessas atividades em óleos essenciais, as perspectivas futuras são as melhores, restando encontrar uma melhor maneira de administrá-los em seres humanos", assinala a bióloga.
Quando trabalhava com os experimentos animais, ela colocou em prática, como forma de administração, um veículo a priori aplicável em animais: otween. Por se tratar de um óleo essencial, uma substância lipofílica (aquela que não é solúvel em água), ele precisava apenas de um veículo que o solubilizasse. "O próximo passo será encontrar um jeito de fazer a sua administração em humanos por via oral", revela Christiane.
Até o momento, acredita-se que o que pode render um melhor resultado é a produção de medicamentos em microcápsulas, trabalho hoje desenvolvido pelo professor Marcos Salvador, que atua na área de Fisiologia Vegetal. Ele avalia a viabilidade dessa forma de administração, já que diversos outros medicamentos corroboram a sua aplicabilidade e eficácia.
Com certeza, acentua Christiane, mais investigações serão necessárias para apurar a toxicidade contida nesse óleo. No caso do presente estudo, a bióloga realizou um screening de doses, separando a mais efetiva, que foi aquela de 100 mg/kg. Analisou apenas dois, dos muitos, parâmetros toxicológicos - a evolução ponderal dos animais e órgãos vitais como o fígado, o coração, os pulmões e os rins.
Pelas análises desenvolvidas até aqui, não foi verificado nenhum sinal de toxicidade, pelo menos não na dose estudada. A pesquisadora pontua que esses resultados fazem parte de testes pré-clínicos e que existe um longo caminho para se chegar à análise em humanos, que pode demorar algo em torno de cinco a dez anos, estima.
Hortelã
O gênero Hyptis apresenta diversidade morfológica e é encontrado no Cerrado brasileiro, com cerca de 300 a 400 espécies registradas, segundo Harley (1988).
Atualmente, é consenso que elas são eficazes no tratamento de infecções gastrointestinais, câimbras, dores e infecções da pele.
Além do mais, possuem efeito anestésico, antiespasmódico, anti-inflamatório e abortivo.
No caso de Hyptis spicigera, trata-se de uma erva daninha e aromática, uma espécie de hortelã, diferente da comumente usada para fazer chás e infusões.
Tem como característica peculiar a inflorescência, que a diferencia das demais espécies de Hyptis.
A inflorescência, afirma Christiane, é a parte da planta onde se localizam as flores, descrita pela forma como se dispõem umas em relação as outras. Normalmente aparece como um prolongamento que se assemelha ao caule, provido de folhas modificadas chamadas brácteas. Nas axilas destas brácteas, localizam-se as flores.
Muitas famílias botânicas, frisa, se distinguem facilmente pelo seu tipo de inflorescência. "Na verdade, ela integra um conjunto de flores, não apenas uma", explica.
Na mata, logo se observa que ali existe essa planta, graças ao seu aroma característico. O óleo que Christiane trabalhou foi o comercial, encontrado em empresa produtora de óleos essenciais.
O seu trabalho integra a linha de pesquisa "Atividade Antiulcerogênica de Produtos Naturais", coordenada pela professora Alba Brito, que é ainda responsável pelas linhas sobre a colite e as inflamações.
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