Empresa fluminense desenvolve pomada antibiótica contra a superbactéria Sarm
Débora Motta
Centers for Disease Control and Prevention
A superbactéria Sarm: considerada a principal responsável pelas infecções hospitalares, ela se aproveita de lesões na pele
Uma pomada antibiótica, desenvolvida a partir de uma espécie de planta da Mata Atlântica ainda desconhecida, pode ser uma forte aliada contra infecções cutâneas pela superbactéria Sarm (Staphylococus aureus, resistente à meticilina), frequentemente associada às infecções hospitalares. A substância química natural que confere ao produto propriedades medicinais é a aureociclina, que foi isolada de uma rara flor da Serra do Mar, de pétalas brancas e miolo amarelo (Kielmeyera aureovinosa), em testes realizados nos laboratórios da empresa fluminense Extracta Moléculas Naturais. Até o momento, ela tem se mostrado mais eficaz que seus concorrentes disponíveis no mercado farmacêutico, por sua baixa toxicidade e alta eficiência em destruir o germe.
De acordo com o coordenador do projeto e presidente da Extracta, o médico Antonio Paes de Carvalho, que também é professor titular do Instituto de Biofísica, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a nova espécie de planta foi descoberta em uma propriedade rural de São José do Vale do Rio Preto, na região serrana do estado, durante uma incursão do botânico Mario Gomes, a serviço da empresa. Ela foi registrada em um grande banco de dados, que já reúne quase 12 mil exemplares de extratos de plantas da biodiversidade brasileira, com potencial para a fabricação de medicamentos. “O banco de extratos da empresa é plenamente autorizado pelo Conselho de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente”, diz o pesquisador. “Cerca de 80% do acervo é de espécies coletadas nas matas fluminenses”, completa.
O projeto foi contemplado pela FAPERJ com o edital de Auxílio a Projetos de Inovação Tecnológica, depois que o estudo recebeu um apoio inicial da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Além de catalogar a nova espécie de planta, os pesquisadores da Extracta identificaram uma molécula nova, desconhecida da química, no complexo ativo do extrato da Kielmeyera aureovinosa.“Trata-se de um produto com aplicação importante para a saúde pública, que até então não foi encontrado em outras áreas do País”, destaca Carvalho. Ele conta que, para chegar à droga inovadora, foi necessário testar diversas outras plantas. “De 49 plantas que apresentavam algum potencial farmacêutico contra o Sarm, entre as catalogadas no banco de extratos da empresa, a Kielmeyera aureovinosa foi a que apresentou o melhor resultado”, relata.
Biodiversidade com potencial de cura
Divulgação Extracta
À frente da Extracta, o pesquisador Antonio Paes de Carvalho: aureociclina já tem propriedade intelectual
Atualmente, o projeto está na fase de testes pré-clínicos. “Estamos aguardando mais investimentos para prosseguir com os estudos e podermos chegar à etapa de ensaios clínicos, com voluntários saudáveis e, posteriormente, com pessoas infectadas com o Sarm. Essa fase precisa da autorização da Anvisa,”, conta Carvalho. “Só a partir desse ponto, será possível viabilizar a entrada do produto no mercado”, pondera o pesquisador. A outra vertente da pesquisa é agroflorestal. “Estamos distribuindo mudas certificadas a três propriedades rurais na região serrana para impulsionar o cultivo da planta, que é a matéria-prima para a preparação do medicamento”, diz.
A escolha do pesquisador de trabalhar com a aureociclina na forma de pomada, e não na de comprimidos, que teriam impacto maior na indústria farmacêutica, deve-se a uma questão prática: custo e benefício. “É cerca de 80 vezes mais barato investir na fabricação da pomada do que de comprimidos, o que também iria requerer testes mais sofisticados. Mas estamos abertos a essa ideia, se tivermos investimentos adequados no futuro”, compara Carvalho. O desenvolvimento da pomada, contudo, promete ser um importante passo para cortar o mal pela raiz – ou melhor, pela porta de entrada da doença, que é a pele. “As infecções pela superbactéria Sarm começam pela pele. Elas costumam ocorrer em pacientes internados em hospitais e em pessoas que praticam esportes que requerem contato físico intenso”, detalha.
O produto inovador não pôde ser patenteado no País, mas teve um pedido de patente provisional registrado nos Estados Unidos. “A aureociclina já tem propriedade intelectual, porque descobrimos a planta e inventamos um remédio a partir dela. O grande empecilho é a legislação brasileira, que proíbe qualquer patente de produto extraído da natureza, deixando o caminho aberto para quem quiser copiar o produto ou se apropriar de exemplares da nossa biodiversidade”, destaca. E prossegue: “O Brasil infelizmente está nessa posição jacobina de não aceitar nenhuma patente de material obtido da natureza, em vez de aproveitar a biodiversidade como vantagem competitiva”, contemporiza.
Divulgação Extracta
A nova espécie, Kielmeyera aureovinosa: a) raiz; b) tronco; c) folha; d) caule; e) ramo florífero; f) fruto e sementes; g) botão floral
A superbactéria Sarm é uma mutação do Staphylococcus aureus, bactéria que coloniza a epiderme e as fossas nasais e é a principal responsável pelas infecções hospitalares. Ela costuma se aproveitar de pequenas lesões na pele, como aquelas provocadas nos pacientes por sondas, e depois que se expande pode causar infecções sistêmicas letais. Mas para além dos hospitais, a ocorrência do Sarm tem crescido na comunidade. “A grande preocupação é que a superbactéria tem sofrido mutações e ficado cada vez mais resistente, devido ao uso indiscriminado de antibióticos pela população”, explica o médico.
A Extracta, fundada em 1998, foi a primeira empresa brasileira a obter uma licença especial do Ministério do Meio Ambiente para acessar a biodiversidade nacional com o objetivo de preparar uma grande coleção de extratos para a bioprospecção, isto é, a pesquisa de material biológico voltada para a exploração de recursos genéticos. Em dez anos de existência da empresa, foram mais de 225 expedições em busca de amostras vegetais, que incluíram incursões à Mata Atlântica e à floresta amazônica. Além do médico e professor Antonio Paes de Carvalho, participam deste projeto os pesquisadores Mario Gomes, botânico e descobridor da Kielmeyera aureovinosa; Otavio Padula de Miranda, microbiologista; Lisieux Julião, química e bióloga; e Giselle Accioly, coordenadora do setor de qualidade no estudo do produto. Todos participam como coinventores na patente provisional apresentada à agência americana de marcas e patentes, o USPTO.
FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
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