Débora Motta
Uma proteína produzida naturalmente pelo corpo pode, no futuro, ser a chave para a recuperação dos movimentos das pessoas paraplégicas. Trata-se da laminina. Ela é a base de uma pesquisa de ponta coordenada pela professora Tatiana Coelho Sampaio, no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB/UFRJ). À frente da equipe do Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular, a bióloga vem testando os efeitos da aplicação da laminina em animais paraplégicos – e adianta que, se tudo der certo, a próxima etapa será a realização de testes com a proteína em humanos que perderam os movimentos. Quando injetada diretamente na medula lesionada, a substância mostrou-se capaz de restabelecer a comunicação perdida entre células do sistema nervoso, necessária para a movimentação dos braços e das pernas. “A recuperação dos movimentos ocorre porque os axônios, que são os condutores dos impulsos elétricos do cérebro ao resto do corpo, voltam a crescer e se reconectam. Na paralisia dos membros, essa conexão neuronal é interrompida”, explica Tatiana Sampaio, que foi Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. “A proteína também reduz o processo inflamatório, comum após o trauma no sistema nervoso”, completa. O desenvolvimento desse modelo de tratamento, 100% nacional, começou há cinco anos. Inicialmente, os experimentos foram realizados com ratos. Eles tiveram a medula lesionada durante um procedimento cirúrgico. Depois, uma solução de laminina foi injetada especificamente no local da lesão. Os resultados, verificados a partir de análises microscópicas, comprovaram a regeneração medular. “A substância foi responsável por uma recuperação considerável da função motora perdida, devido ao crescimento dos neurônios adultos, mesmo nos casos em que a medula foi rompida totalmente”, destaca. Ação eficaz em roedores De acordo com a pesquisa, a luta contra o tempo é um fator fundamental para maximizar a eficácia do tratamento com laminina. “Observamos nos experimentos com ratos que quanto mais rápido a proteína for injetada, melhor os resultados. O ideal é aplicar a laminina na fase aguda da lesão, ou seja, pouco tempo depois que a lesão na medula ocorre. Nessa fase aguda, que em ratos vai até dois dias depois da ocorrência do trauma, a aplicação da laminina levou os animais tratados a recuperarem 75% dos movimentos de articulação das patas traseiras, enquanto os animais não tratados permaneceram com menos de 25% desses movimentos”, pondera a bióloga. “Já no caso de aplicações da proteína em ratos muitos dias depois da lesão, o que corresponderia, no caso de humanos, a meses depois do trauma, os resultados não seriam excelentes, mas existem dados que sugerem que eles possam ser bons.” |
Comparação entre as medulas de animais tratados (LM4) ou não (Bu4) com laminina polimerizada oito semanas após a lesão |
Passada a etapa de experimentos com ratos, a pesquisadora coordena, há um ano, testes de toxicidade à laminina, realizados em cães de porte médio. “Não temos visto nenhum sinal de toxicidade até agora, nem em ratos nem em cães”, conta. Se essa etapa for aprovada, o próximo passo do estudo será a tão aguardada realização dos testes clínicos em humanos, que podem abrir as portas para o desenvolvimento de um produto para pessoas que perderam os movimentos. “A ideia é que os testes com laminina em humanos sejam realizados, no princípio, em pacientes ainda na fase aguda, isto é, que se tornaram paraplégicos há apenas dez dias”, planeja. O estudo, contemplado pela Fundação por meio do programa de Apoio à Pesquisa (APQ1), teve como desdobramento um artigo publicado no Faseb Journal, uma das mais conceituadas revistas científicas na área.
Descoberta há cerca de 30 anos, a laminina é produzida pelo sistema nervoso, para auxiliar na formação e na regeneração do mesmo. Ela pode ser obtida da placenta humana após o parto – como é o caso da laminina utilizada na pesquisa, que é importada de uma empresa americana. O diferencial para o desenvolvimento do estudo foi a criação, em 2000, no próprio Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular, de uma técnica de repolimerização da laminina, já patenteada pela UFRJ. “Na forma comercial, a laminina vem em monômeros, isto é, com as suas moléculas individualizadas. Mas para o tratamento da paraplegia, é preciso que as moléculas estejam polimerizadas, porque é assim que elas funcionam na natureza”, explica a professora, lembrando que a repolimerização desenvolvida no laboratório é um processo fácil e barato.
A proteína seria uma alternativa ao uso de células-tronco para tentar reverter a paraplegia. Para Tatiana Sampaio, o tratamento com a laminina seria uma opção mais barata, fácil e segura, apesar das células-tronco receberem, atualmente, mais investimentos para pesquisas. “Nossos estudos com a laminina em lesões medulares estão mais avançados do que outros estudos com as células-tronco. A proteína é uma opção mais simples, pois é produzida pelo organismo naturalmente para ajudar no processo de regeneração do sistema nervoso. O que estamos fazendo é apenas imitar a natureza”, afirma. “Já as células-tronco têm uma complexidade maior, o que faz com que seja mais difícil prever seu comportamento após a injeção”, destaca. Também participam da equipe envolvida no projeto o professor João Menezes, do ICB/UFRJ e a aluna de doutorado Karla Menezes.
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