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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Computadores contra a esquistossomose

Em 2005, quando começou o doutorado, Rosângela Silqueira Hickson desafiava a si mesma. Formada em engenharia mecânica, com mestrados em computação e em técnicas nucleares, apostava que conseguiria compreender temas específicos da biologia. Ela teria que fazer isso de alguma forma, porque só assim seria possível levar adiante a proposta sugerida por seu orientador, o pesquisador da Fiocruz Minas Guilherme Oliveira. “Ele tinha uma linha de pesquisa em bioinformática e achei interessante seguir este caminho”, explica. Assim surgiu um projeto para novas drogas contra a esquistossomose. A expectativa é de que soluções para esta doença milenar possam ser obtidas a partir de testes feitos em computador.

 No Brasil, a esquistossomose é causada pela espécie <EM>Schistosoma mansoni</EM> e preocupa, especialmente, nas comunidades ribeirinhas do país.
No Brasil, a esquistossomose é causada pela espécie Schistosoma mansoni e preocupa, especialmente, nas comunidades ribeirinhas do país.

Causada por parasitos do gênero Schistosoma, a doença é responsável por mais de 11 mil óbitos por ano no mundo, número que pode estar subestimado, pois grande parte dos casos não é notificada aos órgãos de saúde. Anualmente, cerca de 200 milhões de pessoas são infectadas em pelo menos 75 países das regiões tropicais e subtropicais do planeta. Isso coloca a esquistossomose como a segunda parasitose que mais infecta o homem, atrás somente da malária. No Brasil, é causada pela espécie Schistosoma mansoni e preocupa, especialmente, nas comunidades ribeirinhas do país.

O projeto trabalha, de um lado, com as proteínas do Schistosoma e, de outro, com milhares de compostos químicos num banco de dados. Na verdade, os pesquisadores não manipulam tubos de ensaio com os materiais biológicos e químicos – eles operam com estruturas tridimensionais, virtuais, produzidas por modelagem computacional. Assim, a estrutura tridimensional de cada proteína do parasito é contraposta à estrutura tridimensional de cada composto do banco de dados. O objetivo é prever qual seria a atividade dos compostos sobre as proteínas, para identificar alvos suscetíveis no parasito e novas drogas potenciais contra ele.

Inicialmente, com a participação da Fiocruz Minas e da Faculdade Infórium de Tecnologia de Belo Horizonte, os pesquisadores contavam com pouco mais de 200 computadores para a realização do trabalho. Se mantivessem esta estrutura, o projeto demoraria de cinco a dez anos para ser concluído. Entretanto, os cientistas já planejam que, no segundo semestre de 2011, o projeto esteja na fase final. Isso porque eles passaram a contar com a colaboração da multinacional IBM, por meio do World Community Grid (WCG).

A principal contribuição do WCG vem de um software que permite, de forma simples, realocar milhares de computadores ao redor do planeta para o desenvolvimento de estudos científicos. Qualquer pessoa no mundo pode entrar no site do WCG, fazer o download do programa e instalá-lo em seu computador pessoal. A partir daí, sempre que a máquina estiver ligada, sendo usada ou não, sua capacidade de processamento ociosa será canalizada para a realização de pesquisas. Isso resulta em economia de tempo e recursos, já que a capacidade de processamento é multiplicada, possibilitando a realização de trabalhos abrangentes em genômica. “O trabalho envolve, hoje, mais ou menos 300 mil computadores conveniados com a IBM, em todo o mundo, o que inclui muitas máquinas domésticas”, lembra Rosângela.

“O que consome a computação é a modelagem. É tentar encaixar a estrutura computacional de um composto na estrutura computacional de uma proteína. E isso requer poder computacional de primeira. Aí entra o WCG”, explica o chefe do Laboratório de Parasitologia Celular e Molecular da Fiocruz Minas e coordenador do Centro de Excelência em Bioinformática, Guilherme Oliveira. “Não temos nenhum pressuposto sobre qual proteína é um bom alvo e simplesmente testamos todas, de um banco de dados gigantesco. O que é muito mais barato do que um trabalho experimental”.

As experiências em laboratório são igualmente importantes, mas o projeto só entra na fase de bancada depois que as proteínas e os compostos mais promissores forem identificados pelas predições no computador. O método computacional possibilita, ainda, a descoberta de drogas contra outras doenças. “A esquistossomose vira um modelo. Se o projeto der certo, a chance de funcionar com outro organismo multicelular é maior. Então, estamos testando, de fato, uma nova abordagem, que pode ser útil para novas espécies”, argumenta Oliveira. A Fiocruz Minas participa de outras duas atividades que visam desenvolver novos medicamentos para esquistossomose pela abordagem da bioinformática: o SETtReND, um consórcio internacional que inclui três instituições brasileiras e seis europeias; e um projeto em parceria com a Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos.

Além dos três trabalhos em bioinformática desenvolvidos pela Fiocruz Minas, projetos continuam sendo realizados no ambiente pioneiro para estudo da esquistossomose na unidade. “Atualmente, estamos testando uma associação de drogas. Pegamos uma droga usada hoje no Brasil contra essa parasitose e associamos com outra droga, clinicamente empregada para outra finalidade. O intuito é verificar se acontece uma ação sinérgica”, conta o vice-chefe do Laboratório de Esquistossomose da Fiocruz Minas, Naftale Katz, autor de livros considerados referências mundiais sobre o assunto. Ao serem associadas, as drogas podem aumentar sua capacidade de debelar o parasito. Por outro lado, também pode haver diminuição da atividade – um dado importante para pacientes que estejam tomando medicamentos para mais de uma doença.

Conheça o World Community Grid aqui.

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