O transmissor de uma doença pode ajudar a controlá-la? Pesquisa desenvolvida por americanos, indianos e brasileiros sugere que sim. No estudo em questão, a doença é a malária, causada pelo parasita Plasmodium e transmitida ao homem pelo mosquitoAnopheles. Os pesquisadores descobriram que o mosquito desenvolve rapidamente uma resposta imunológica ao parasita, destruindo-o. O trabalho – que contou com a participação de dois cientistas do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz Pernambuco) – foi publicado em setembro na revista Science. A pesquisa foi realizada no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês).
De acordo com os pesquisadores, as bactérias estão diretamente envolvidas na resposta imune doAnopheles contra o parasita, mas ainda não é possível explicar como se dá essa relação |
Nos experimentos, os pesquisadores coletaram a hemolinfa (o equivalente a sangue nos insetos) de mosquitos contaminados pelo Plasmodium. Essa hemolinfa foi, então, transferida para mosquitos sadios, que, posteriormente, foram infectados pelo parasita. Os resultados mostraram que a hemolinfa transferida potencializou a resposta imunológica dos insetos: todos os mosquitos sadios, após a infecção pelo Plasmodium, eliminaram por completo o parasita. “Embora o Anopheles responda naturalmente ao Plasmodium, em alguns casos o parasita consegue completar seu ciclo de vida no organismo do mosquito”, explica o pesquisador Fábio Brayner, da Fiocruz Pernambuco.
A técnica de transferência de hemolinfa foi originalmente criada pelo pesquisador Luiz Alves, também da Fiocruz Pernambuco, e aprimorada pelo grupo. Com o uso de um microcapilar de vidro, eles retiraram a hemolinfa já diluída com anticoagulante, por meio de uma incisão no abdômen do mosquito. A transfusão foi feita com o auxílio de um microinjetor. Para avaliar o efeito da transferência de hemolinfa dos mosquitos contaminados para os sadios, os pesquisadores verificaram o número de parasitas (no estágio de oocistos) no intestino médio dos insetos. Entre o sétimo e o 14º dia após a infecção dos mosquitos sadios estimulados com a hemolinfa, os oocistos haviam sido eliminados.
Em outros experimentos, os pesquisadores compararam dois grupos de mosquitos. O primeiro (grupo desafiado) já tinha desenvolvido previamente uma infecção peloPlasmodium, com formação de oocistos, enquanto o segundo (grupo controle) nunca havia apresentado tal infecção. O grupo desafiado foi, então, infectado pela segunda vez e o grupo controle, pela primeira. A comparação das células de defesa dos dois grupos de mosquitos revelou algumas diferenças.
A quantidade de células do tipo granulócito foi significativamente maior no grupo desafiado, que, por sua vez, apresentou menor número de prohemócitos (células de defesa imaturas). Alterações morfológicas e funcionais nas células também foram identificadas. Os granulócitos do grupo desafiado apresentaram um tamanho maior e tinham mais grânulos em seu interior, indicando ativação celular para efetivar a defesa contra o parasita. Esses resultados sugerem que os mosquitos do grupo desafiado já contavam com uma espécie de “memória imunológica” para combater o Plasmodium.
Os achados da equipe, coordenada pela cientista Carolina Barillas-Mury, do NIH, põem abaixo a crença de que os invertebrados – animais que não têm esqueleto interno, como os insetos – são incapazes de apresentar resposta imune quando infectados logo na segunda vez. “Encontramos uma evidência clara de que eles têm uma memória imune inata que responde mais rápido do que a dos homens. Nos humanos essa memória é adaptativa, isto é, só à medida que é estimulada com algumas infecções, ela responde mais rapidamente”, explica Luiz Alves.
O papel das bactérias
Os grupos controle e desafiado foram testados, ainda, em duas situações diferentes: na presença e na ausência das bactérias existentes na flora interna do inseto. Para ambos os grupos, nas situações estudadas, os testes não detectaram mudança na quantidade de granulócitos e prohemócitos. De acordo com os pesquisadores, as bactérias estão diretamente envolvidas na resposta imune do Anopheles contra o parasita, mas ainda não é possível explicar como se dá essa relação.
A meta dos cientistas é descobrir uma maneira de interromper o ciclo de transmissão da malária, e os resultados da pesquisa apontam nessa direção. Entretanto, ainda há muito para se conhecer sobre o mosquito transmissor da doença. Além disso, ainda são necessários muitos estudos moleculares para identificar os principais elementos envolvidos na destruição do Plasmodium pelo Anopheles. O artigo também é assinado pelos pesquisadores Janneth Rodrigues e Rajnikant Dixit.
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