Plasticidade do conhecimento
Nosso cérebro não é mais aquele.
Pelo menos não é mais aquele que pensávamos que fosse.
Uma sequência de descobertas científicas, divulgadas ao longo das últimas semanas, está mudando a forma como o cérebro humano é visto e compreendido.
E, por decorrência, como devemos lidar com ele.
Só muito recentemente os cientistas começaram a destruir a metáfora do cérebro como um computador, ao descobrir que os neurônios individuais têm poder computacional. [Imagem: Tiago Branco/Hausser Lab: UCL] |
Neurônios e axônios
Tudo começou quando Costas Anastassiou e seus colegas do Caltech (EUA) descobriram que os neurônios podem se comunicar diretamente à distância, usando campos elétricos e dispensando as sinapses.
Contudo, mesmo nas sinapses, a coisa é mais complicada do que se acreditava.
Os neurônios são complicados, é certo, mas seu conceito básico é o de que as sinapses transmitem sinais elétricos para os dendritos e o corpo celular (entrada), e os axônios passam os sinais adiante (saída).
Pelo menos isto é o que está nos livros-texto. Mas é melhor parar as máquinas e começar a reescrever os livros-texto.
Em um achado surpreendente, Nelson Spruston e seus colegas da Universidade Northwestern (EUA) descobriram agora que os axônios podem operar no sentido inverso: eles também podem enviar sinais para o corpo celular.
Ou seja, os axônios também conversam entre si.
E não apenas isso: antes de enviar os sinais na contra-mão, os axônios podem realizar suas próprias computações neurais, sem qualquer envolvimento do corpo celular ou dos dendritos.
Isto contraria frontalmente o modelo da comunicação neuronal adotado hoje, onde o axônio de um neurônio está em contato com o dendrito ou com o corpo celular de outro neurônio, e não com o axônio desse outro neurônio.
Ao contrário dos cálculos realizados nos dendritos, os cálculos que ocorrem nos axônios são milhares de vezes mais lentos - provavelmente um mecanismo para que os neurônios calculem coisas mais urgentes nos dendritos e usem os axônios para as coisas mais lentas.
O impacto da descoberta é direto e contundente: os cientistas precisam saber em detalhes como um neurônio normal funciona para descobrir o que está dando errado quando surgem doenças como epilepsia, autismo, Alzheimer ou esquizofrenia.
Outro estudo recente apoiou a "hipótese do cérebro social", uma teoria segundo a qual a amígdala humana teria evoluído em parte para permitir que o homem lidasse com uma vida social cada vez mais complexa. [Imagem: Washington irving/Wikimedia] |
Áreas do cérebro
Amir Amedi e seus colegas da Universidade de Jerusalém estavam mais interessados em uma parte específica do cérebro, a parte responsável pela visão.
E suas descobertas questionam a atual paradigma das neurociências, que estabelece que o cérebro é dividido em zonas, cada uma responsável pelo processamento de sinais específicos.
Os cientistas descobriram que a parte do cérebro que se acredita ser responsável pela leitura visual - a parte do seu cérebro que está sendo acionada enquanto você lê este texto - nem mesmo precisa da visão.
Ao monitorar o cérebro de pessoas cegas enquanto elas liam textos em Braille, os cientistas verificaram que as imagens de ressonância revelam atividade exatamente na mesma parte do cérebro que é acionada quando leitores não-deficientes leem usando os olhos.
Mais uma alteração à vista para os livros-texto, uma vez que hoje é largamente aceita a noção de que o cérebro é dividido em regiões, cada uma especializada no processamento de informações vindas através de um determinado sentido - visão, tato, paladar etc.
"O cérebro não é uma máquina sensorial, embora muitas vezes ele se pareça com uma; ele é uma máquina de tarefas," propõe o Dr. Amedi.
Segundo a proposta do pesquisador, cada área cérebro faria uma tarefa determinada, sem vinculação a um sentido específico. Assim, a área da leitura visual seria ativada esteja você lendo um livro com os olhos, um texto em Braille com os dedos ou mesmo relembrando o parágrafo de um texto que você está tentando decorar.
O Dr. Amedi aproveitou para dar uma espetada nas visões mais estreitas da evolução. Ao contrário de outras tarefas que o cérebro executa, a leitura é uma invenção recente, com pouco mais de 5.000 anos de idade. O Braille tem sido usado há menos de 200 anos.
"Isso não é tempo suficiente para que a evolução tenha moldado um módulo do cérebro dedicado à leitura," disse ele.
Em vez de uma organização hierárquica, como se acreditava, o cérebro parece se organizar como os computadores que formam a internet, de forma distribuída. |
Centro de recompensas e dopamina
O trabalho de um grupo de cientistas da Universidade da Geórgia (EUA) e da Universidade Normal da China Oriental se concentrou em outra área do cérebro, o chamado centro de recompensas.
O centro de recompensas, juntamente com o neurotransmissor dopamina, tem sido usado pela neurociência e pela psiquiatria para explicar inúmeras condições em que o indivíduo se guia pela busca do prazer - entre eles vícios, dependência química e inúmeros comportamentos.
Mas parece que o centro de recompensas vai precisar de um outro nome.
Joe Tsien e seus colegas demonstraram que essa área do cérebro responde também às experiências ruins.
Esteja você comendo chocolate ou caindo de um prédio - ou mesmo pensando em uma dessas coisas - a dopamina será produzida do mesmo jeito.
Os cientistas estudaram os neurônios de dopamina na área tegmental ventral do cérebro de camundongos, amplamente pesquisada por seu papel na chamada motivação relacionada à recompensa - mais conhecida como dependência química.
Eles descobriram que essencialmente todas as células apresentaram alguma resposta tanto a experiências boas como a experiências ruins - na verdade, um evento que induz o medo disparou 25% dos neurônios, produzindo uma enxurrada de dopamina.
"Nós acreditávamos que a dopamina estivesse sempre envolvida na recompensa e no processamento de sensações de bem-estar," disse Tsien. "O que descobrimos é que os neurônios de dopamina também são estimulados e respondem a eventos negativos."
Cérebro que se constrói
Descobertas como estas podem impulsionar a compreensão do cérebro porque, munidos de descrições mais fiéis da realidade, os cientistas podem iniciar experimentos com resultados mais promissores.
O exemplo clássico é o da descoberta da plasticidade do cérebro. Por muito tempo se acreditou que o cérebro possuía um número fixo de neurônios, que só faziam morrer ao longo da vida, sem reposição.
A descoberta de que o cérebro é altamente adaptável levou a descobertas como a de que as mudanças no cérebro podem ser induzidas voluntariamente, dando sustentação a novas pesquisas na área de psicoterapia e meditação, entre outras, abrindo caminho para terapias não-medicamentosas de alta eficácia.
Mas há muito a se fazer. Apesar de continuar avançando no entendimento da "troca de dados" entre os neurônios, os cientistas ainda sabem pouco sobre a linguagem que o cérebro usa nesses dados - é como se conseguíssemos detectar os 0s e 1s dos computadores mas não soubéssemos como transformá-los em letras e números.
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