Pesquisadores "clandestinos" estão usando informação científica publicada em revistas acadêmicas para produzir drogas piratas.
Com base em dados públicos, pesquisadores não especializados conseguem produzir e comercializar substâncias sem nenhum tipo de regulação ou testes clínicos.
Foi o que aconteceu com o químico David Nichols, da Universidade Purdue (EUA). Em 2002, seis pessoas morreram ao usar uma droga pirata produzida a partir de um composto que ele estudava.
Nichols e seus colegas publicaram entre 1992 e 1997 alguns trabalhos com base na molécula MTA (metiltioanfetamina), que tem estrutura similar à do ecstasy.
"A droga foi sintetizada por cientistas que simplesmente colocaram as substâncias em cápsulas sem conhecer os efeitos da droga em seres humanos", contou Nichols à Folha.
O caso foi publicado na última edição da revista científica "Nature".
O cientista investigava o uso da MTA para o tratamento de depressão. A molécula, sabe-se, inibe uma enzima que age no sistema nervoso.
"Publicamos os nossos resultados sem a expectativa de que as substâncias fossem vendidas para seres humanos", disse Nichols.
POLÊMICA
O debate sobre a divulgação dos trabalhos científicos é antigo. O caso de Nichols, porém, traz uma nova perspectiva para a discussão.
"Nos últimos anos, a ala que defende a divulgação ampla tem vencido. A maioria das revistas científicas, inclusive, exige o detalhamento de todo o experimento", explica Alessandro Piolli, que estuda ética de publicação no seu doutorado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
De acordo com Piolli, o grupo que tradicionalmente é contra a divulgação costuma estar ligado à indústria farmacêutica e tem interesse no sigilo das informações.
"O DNA de vírus perigosos já foi publicado. Nós [cientistas] acreditamos que as pessoas não vão usar essas informações para seus próprios interesses", diz Nichols.
O pesquisador destaca ainda que algumas substâncias utilizadas como entorpecentes podem ser usadas com fins terapêuticos.
O ecstasy, por exemplo, foi testado recentemente com sucesso por cientistas dos EUA em casos de transtorno pós-traumático.
"Tudo pode ser usado tanto para causas boas quanto más", conclui Nichols.
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