André Maciel Crespilho Médico veterinário, Doutor em Reprodução Animal pela FMVZ-UNESP, Botucatu/SP, coordenador de pesquisa clínica da Syntec do Brasil, Ltda |
Na atualidade, um grande destaque tem sido atribuído as chamadas Boas Práticas de Manufatura (BPM), uma tradução da consagrada sigla GMP (Good Manufacturing Practices) extraída da língua inglesa. As BPMs abrangem um conjunto de medidas adotadas por indústrias dos mais variados seguimentos, como as empresas de alimentos ou de medicamentos veterinários, a fim de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos produtos que chegam ao mercado consumidor.
No entanto, em nosso dia a dia temos observado uma crescente necessidade por uniformização não apenas de produtos industrializados, como também na prestação de serviços e elaboração de atividades técnicas como, por exemplo, na gestão de uma fazenda ou empresa rural. No caso de uma corriqueira aplicação de medicamento ocorre a mesma situação. Para que um remédio atue de maneira adequada, exercendo o seu efeito biológico, alguns cuidados essenciais devem ser tomados. A observação e padronização desses cuidados representam o que podemos chamar de Boas Práticas na Aplicação de Medicamentos (BPAMs).
Nesse sentido, o objetivo dessa matéria é apresentar alguns dos cuidados básicos que técnicos e pecuaristas devem tomar durante a aplicação de medicamentos para ovinos e caprinos, garantindo a máxima eficiência dos produtos e menor ocorrência de efeitos colaterais.
Vias de aplicação
O primeiro passo para a utilização racional de um fármaco representa a pesagem dos animais. Como a dose de cada medicamento varia de acordo com o peso do animal, a pesagem representa a primeira medida de BPAMs a ser instituída para garantir o sucesso dos protocolos terapêuticos.
Estabelecida a quantidade de medicamento a ser aplicado, 2 vias principais de administração podem ser consideradas: oral ou parenteral, essa última, por sua vez, inclui a via subcutânea, intramuscular e intravenosa.
A via oral (PO) é de grande utilidade especialmente para administração de anti-helmínticos para ovinos e caprinos. Geralmente são utilizadas pistolas dosadoras de metal, que permitem uma correta calibração do volume a ser administrado.
A via subcutânea (SC) consiste na deposição de um medicamento entre a pele e o tecido muscular subjacente. Para esta via geralmente se elegem as regiões da tábua do pescoço ou subescapular por possuírem a pele mais solta.
A rota intramuscular (IM) compreende a deposição de medicamentos diretamente na massa muscular, aproveitando a grande perfusão sanguínea presente nos músculos para promover uma rápida absorção. Para utilização dessa via devemos preferir a musculatura da região do pescoço em relação às regiões de carnes nobres, como o pernil e a paleta. A utilização de substância irritante por essa via pode resultar em necrose muscular, devendo, portanto, ser evitada.
Medicações intravenosas (IV) podem ser feitas em veias superficiais como a jugular direita ou esquerda, apresentando como maior vantagem em relação à todas as outras rotas o início de efeito terapêutico de forma imediata e a possibilidade de infusão de grandes volumes de medicamento de uma só vez (WEBSTER, 2001).
Qualidade e procedência dos produtos
A produção de medicamentos veterinários atende as normas de BPM definidas para a indústria farmacêutica, que garantem a qualidade, eficácia e segurança dos produtos. No entanto, existe um longo trajeto entre a produção de um medicamento até sua chegada para o uso na propriedade. Após a produção, o medicamento será embalado, transportado e estocado nas lojas ou distribuidoras seguindo, posteriormente, para as propriedades onde muitas vezes serão armazenados em condições inadequadas. É durante esse trajeto que ocorrem grande parte dos problemas que podem comprometer a eficácia de um medicamento.
Por essa razão, para obtermos a máxima eficiência do produto, nunca devemos utilizar medicamentos:
- Que não tragam na embalagem ou no próprio frasco, o número de registro no Ministério da Agricultura e nome do responsável técnico pela fabricação. Embora muitas formulações caseiras (especialmente aquelas baseadas na cultura popular) apresentem algum benefício terapêutico, tal prática deve ser evitada, pois na grande maioria das vezes não existem dados conclusivos não apenas sobre a eficácia terapêutica das formulações, como também dos efeitos tóxicos relacionados à sua utilização.
- Que estejam fora do prazo de validade.
- Nunca utilizar medicamentos que apresentem a embalagem falsificada, adulterada, violada ou com sinais de má armazenagem, como frascos danificados, sujos ou molhados (Figura 1).
- Todo medicamento deve possuir uma bula para orientação de uso. A falta dessas informações representa motivo para a recusa ou devolução de um medicamento.
Figura 1 - Exemplos comuns de má utilização e conservação de medicamentos. A e B: Detalhe da excessiva perfuração da "borracha" do agente anestésico Xilazin®, expondo o conteúdo do medicamento à contaminação externa. C: Detalhe do frasco de antibiótico de amplo espectro Gentomicin®, armazenado sem nenhuma condição de higiene no próprio curral de manejo animal.
Cuidados fundamentais durante a aplicação de medicamentos
Algumas regras simples de Boas Práticas na Aplicação de Medicamentos podem ser consideradas para obtenção dos melhores resultados durante a realização de um protocolo terapêutico em pequenos ruminantes:
- Sempre utilizar seringas e agulhas descartáveis para aplicação de antibióticos e anti-inflamatórios.
- Caso se utilizem seringas de metal, deve-se proceder a fervura das agulhas como método de esterilização, realizando-se a troca sistemática a cada 10 animais tratados. Preconiza-se ainda a adequação do calibre das agulhas (agulhas para ovinos e caprinos não precisam ser tão calibrosas quanto às utilizadas para bovinos) e o descarte daquelas que se apresentarem em más condições (agulhas tortas, sem fio ou enferrujadas).
- No caso da aplicação de medicamentos orais, deve-se verificar a limpeza e calibração das pistolas dosificadoras previamente ao uso, que devem ser sistematicamente re-calibradas a cada 10 animais tratados. O aparelho dosificador deve ser utilizado com bastante cautela e por uma equipe especializada, evitando-se a ocorrência de possíveis traumatismos na boca de ovinos e caprinos. Lesões causadas por aparelhos dosificadores podem levar a formação de abscessos orofaríngeos e fístulas submandibulares que evoluem para anorexia, depressão, septicemia, e em alguns casos, para a morte dos animais (RIET-CORREA, 2001).
- Tratamentos que envolvam grandes lotes, ou até mesmo todo o rebanho, devem ser realizados nas horas mais frescas do dia (início da manhã ou final da tarde) para diminuição do estresse.
- O local de aplicação dos produtos deve ser higienizado através de algodão ou gaze, embebidos em soluções antissépticas.
- Sempre respeitar as informações e indicações apresentadas nas bulas dos medicamentos. Cada fármaco possui uma recomendação própria quanto a via de aplicação. Sendo assim, nunca aplicar um medicamento destinado exclusivamente à via intravenosa através da via subcutânea, por exemplo.
De acordo com Vechiato e Maciel (2009), aplicações mal feitas de medicamentos causam edemas, abscessos e até lesão de nervos no local de aplicação, levando a dor, queda no consumo de alimento e ganho de peso diário.
Nesse sentido, a adoção de Boas Práticas de Aplicação de Medicamentos torna-se fundamental não apenas para o sucesso dos protocolos terapêuticos, como também para a prevenção de problemas decorrentes da má utilização dos fármacos. Através de medidas simples como boa armazenagem de produtos, higienização do local de aplicação e troca frequente de agulhas se começa um efetivo sistema de controle sanitário de um rebanho. Conforme ressaltado no trabalho de Vechiato e Maciel (2009), animal saudável é lucro certo na propriedade!!!
Referências bibliográficas
BELLUZO, C.E.C., KANETO, C.N., FERREIRA, G.M. Vias de aplicação de medicamentos. In... Curso de Atualização em Ovinocultura, UNESP - Curso de Medicina Veterinária, Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal, Araçatuba/SP, 2001. p.84-88.
RIET-CORREA, F. Lesões bucais e retrofaríngeas causadas por aparelhos de dosificar. In...Doenças de Ruminantes e Eqüinos, 2001. Ed.2. Varela: São Paulo, 2001.
VECHIATO, T.A.F., MACIEL, R.A.P. Cuidados fundamentais durante a aplicação de medicamentos. BeefPoint: Radar Técnico em Sanidade Animal, 21/05/2009. Acesso em 08/12/2010.
WEBSTER, C.R.L. Farmacologia Básica: Absorção de Drogas. In...Farmacologia Clínica em Medicina Veterinária. Ed.1. Roca: São Paulo/SP, 2005. p.1-2.
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